Pedro I e José Bonifácio
Numa noite destas, como quase sempre faz, José Bonifácio desceu do seu modesto pedestal de estátua, no largo de São Francisco, e foi visitar o seu imperial e real Pedro, no largo do Rocio.
Este desceu também do cavalo que pode repousar um pouco as patas todo o dia alçadas, e viu seu amo descer até o jardim, olhando com saudade e melancolia a relva úmida que os focos elétricos iluminavam.
Mal Pedro I encontrou-se com o seu antigo Ministro, foi logo perguntando:
- Já falaram em nós?
- Qual o que, Majestade! Nem pio!
- Pergunto a você, porque você ficou mais baixo e pode ouvir qualquer coisa. Eu estou muito lá, no alto...
- Não ouvi nada a respeito e tenho lido as gazetas; mas, nelas coisa alguma encontro em que se fale de nós com referência à Independência do Brasil.
- Mas, de quem falam eles, afinal?
- De Pedro Álvares Cabral, de Fernando de Magalhães, de Vasco da Gama, de...
- Mas, o que tem essa gente com o 7 de setembro - você não me dirá, Bonifácio?
- Senhor, eles nada têm com o Ipiranga, mas é nesses nomes que "comemorativistas" falam. Até...
- Até, o quê, Bonifácio?
- Até o Carlos Sampaio arranjou dois marcos da fundação da cidade, para homenagear Estácio de Sá, por ocasião do centenário da nossa emancipação política.
- Dois!
- Dois, sim, Majestade!
- Como?
- É verdade. Um é da metade, por aí assim, do século passado; e foi fincado, por deduções históricas de um historiador desse tempo.
- E o outro?
- O outro? O outro, ele o achou na igreja dos Capuchinhos, no morro do Castelo; e, por ocasião de iniciar a demolição do morro e da mudança dos respectivos religiosos, Sampaio o levou em carreta, com toda a solenidade, para a nova residência dos freires barbados.
- Este também foi por deduções, que...
- Não, Majestade. Este último parece autêntico.
- Bonifácio, você sabe de uma coisa?
- Qual é?
- Não faço mais "independências". ...Adeus.
E cada um seguiu para as suas respectivas "casas".
Lima Barreto. Revista Careta. 7 de outubro de 1922.