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Jango

Moda

As roupas produzidas e consumidas no período que se estende de meados dos anos 1950 à primeira metade da década de 1960 são um convite à reflexão sobre as relações de gênero, a sexualidade, o protagonismo da juventude, a inserção feminina nas universidades e no mundo do trabalho. Na indumentária de homens e mulheres fica evidente o papel que o cinema, os músicos e grupos de rock-and-roll e a literatura e a estética beatnik possuíam na conformação dos novos padrões de comportamento, ajudando a quebrar regras que se expressavam no que tange à moda, na obrigação de seguir os ditames da alta-costura, em vigor por cerca de cem anos.

Em realidade, a moda do período em questão está no cruzamento entre os rígidos padrões de elegância e de bom gosto vigentes, sobretudo, no pós-guerra, sintetizados no que se convencionou chamar de "New Look", de Christian Dior, e as mudanças na aparência que emergiam, graças às indústrias de roupas prontas - o prêt-à-porter - que permitia a aquisição de peças a preços mais acessíveis, as primeiras butiques e suas propostas autorais, a popularização das tendências nas lojas de departamento, inclusive no Rio de Janeiro, onde a Sears, estabelecida na cidade desde 1947, possibilitava a aquisição de itens como as calças jeans.

A imprensa também terá um papel fundamental nas mudanças de comportamento e na popularização dos estilos de vestimentas: surgem novas revistas (Cláudia e Manequim), ampliam-se os cadernos femininos e colunas de moda ilustradas com fotografias de desfiles. Nesses veículos discutem-se temas relacionados às relações afetivas, a educação dos filhos, a sexualidade. Outra pauta do período é a "democratização" da beleza, acessível, entre outros meios, pela ginástica, a dieta e o uso de cosméticos, este, especialmente, após a chegada da empresa Avon ao país, em 1959.

De todo modo, se uma parcela da população brasileira - as camadas médias das áreas urbanas - experimentava mutações na sociabilidade que se traduziam numa diversidade nas roupas, ampliada com a entrada dos fios sintéticos no Brasil, os estratos mais baixos continuavam a utilizar tecidos como o algodão e a fazer eles próprios as suas vestimentas ou encomendá-las às costureiras. Os grupos de maior poder aquisitivo, por sua vez, mantinham o costume de se vestir à francesa, adquirindo roupas e acessórios em viagens ao exterior ou em lojas como a Casa Canadá, no Rio de Janeiro.

Fugindo a esse padrão, ou melhor, mesclando a alta-costura internacional e a moda brasileira, estava Maria Thereza Goulart, a jovem esposa de Jango que, para boa parte da imprensa, era uma espécie de Jackie Kennedy latina. Se a primeira-dama norte-americana vestia-se com Oleg Cassini, Maria Thereza apostava em Denner, além da mencionada Canadá e da maison francesa Jacques Heim, então com uma filial no Rio. Aos poucos e, fazendo eco ao nacionalismo de João Goulart, Maria Thereza vai ajudar a constituir o campo da moda no Brasil, mesmo que Denner não fosse exatamente um exemplo de criador desligado das tendências internacionais. O que importa destacar na relação entre ela e Denner é a capacidade do costureiro em mobilizar os agentes do sistema da "produção de bens sagrados", na expressão do sociólogo Pierre Bourdieu: jornalistas, clientes e os outros criadores que legitimavam a concorrência. Maria Thereza, por sua vez, jovem, morena e com uma visível sensualidade, evidenciava, com suas escolhas, uma capacidade de quebrar os padrões estabelecidos - dentro, é claro dos limites que sua posição lhe impunha. Uma interessante simbiose, que nos permite examinar como a cultura das aparências pode ajudar a definir o nacional: imagens de roupas feitas por brasileiros e usadas por brasileiras como ela se tornam estratégicas na formação de novas subjetividades femininas.

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