O campo da cidade
Campo da Cidade, de São Domingos, de Santana, da Aclamação, da Honra, da República, Júlio Furtado. Sucederam-se os nomes à medida que a história da cidade e do país lhe atravessava os caminhos. O primeiro deles, da Cidade, recebeu quando ainda ficava fora dos limites desta, encerrados na Rua da Vala, atual Uruguaiana. Até o início do século XVIII, a região era um alagadiço, um descampado pantanoso situado entre a Lagoa da Sentinela e o Mangal de São Diogo, utilizado para despejo de detritos e pasto. O progressivo crescimento da população exigiu-lhe alguns aterramentos e empurrou-lhe os primeiros habitantes. Nas franjas da cidade, o Campo oferecia refúgio a todo tipo de desajustados: escravos fugidos, soldados desertores, criminosos e vadios.
No Setecentos assistiu a uma concentração de irmandades de escravos, negros livres e pardos em seus arredores. Logo que os confrades de São Domingos lá construíram sua capela, pegou de empréstimo o nome do santo. Mas caberia a outra santa o batismo definitivo do local - Santana, cuja imagem fora acolhida por um período na Igreja de São Domingos, até ganhar seu próprio templo em 1753. Palco da mais popular festa religiosa da cidade no século XIX, a do Divino Espírito Santo, recebe ainda hoje os devotos de São Jorge todo dia 23 de abril.
À semelhança da cidade, o Campo não passou incólume à chegada da corte portuguesa ao Rio de Janeiro. A necessidade de ampliar as áreas habitáveis intensificou os aterramentos dos inúmeros terrenos alagados que tanto dificultavam a ocupação do território. Estratégica, a região do Mangal de São Diogo colocava-se como entrave ao deslocamento entre os dois bairros da corte: o Centro e São Cristovão, onde residia a família real. O problema só encontraria solução definitiva com a construção do Canal do Mangue já na segunda metade do século XIX.
Campo da Aclamação tornou-se quando presenciou a ascensão ao trono do primeiro imperador do Brasil, em 1822. Mas a alcunha foi-se com o monarca, assim que este abdicou, tornando o lugar Campo da Honra. Auguste François-Marie Glaziou, paisagista francês radicado no Rio de Janeiro, daria feição definitiva ao parque. Afinado com os jardins românticos europeus, o projeto introduzia elementos que imitavam a natureza. Lagos, cascatas, pontes, além de grutas e pedras artificiais que ganhavam vida através da rocaille, técnica que utilizava o cimento armado, passam a compor a nova paisagem. Datam desta época as figueiras que ainda hoje oferecem sombra aos pedestres do tumultuado centro da cidade. Reformado, o parque é inaugurado em 1880 pelo imperador d. Pedro II, quando finalmente oficializa a denominação pela qual sempre fora conhecido: Campo de Santana. Em menos de uma década, já estavam trocados o nome e o regime. A República nascente viria a rebatizar a praça. Apesar dos protestos, não escaparam nem as coroas imperiais que ornavam os gradis da nova Praça da República.
Rasgando ruas, demolindo sobrados e prédios históricos, a abertura da Avenida Presidente Vargas faria a reformulação definitiva do projeto de Glaziou. O Campo de Santana, que até então espalhava-se até a Central do Brasil, sofre um drástico corte. É preciso abrir espaço às grandes artérias de circulação de veículos. A fúria modernizadora do Estado Novo derruba as antigas construções do entorno, como o Paço Municipal e a Estação D. Pedro II. Em seu lugar erguem-se catedrais à modernidade, cujo exemplo mais emblemático é o suntuoso edifício art déco da Central do Brasil, na ocasião o mais alto da América do Sul. O relógio imponente, com suas faces de dez metros voltadas aos quatro cantos da cidade, ditava os passos dos novos tempos.