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O Rio do mar

"De modo que navegamos por espaço de quatro dias, até quando, a dez do mês, foi encontrado esse grande rio, chamado Guanabara, pelos do lugar (por ser semelhante a um lago), ou de rio Janeiro, pelos que primeiro o descobriram."

André Thevet. Singularidades da França Antártica. 1555

 

Poucas imagens evocam tanto o Rio de Janeiro quanto a Baía de Guanabara. A entrada da Barra, por onde passaram portugueses, franceses, ingleses, austríacos, italianos, entre tantos outros que fizeram essa cidade, causava tão forte impressão aos que atracavam de navio, que associavam aquela visão ao paraíso. A chegada pela baía e o horizonte das montanhas verdes cercadas de azul do céu e do mar justificavam a comparação; entretanto, o desembarque no cais da Praia do Peixe, à esquerda da Alfândega, provocava outra impressão.

Descendo no então porto do Rio, a cena certamente causava estranhamento e algum abalo nos viajantes estrangeiros: além dos barcos de todos os tamanhos atracados, havia pescadores chegando e vendendo sua mercadoria em meio a marinheiros, praças, escravos ao ganho, barbeiros, sangradores e muitos escravos recém-chegados da África, em estado de total penúria, doentes, desnutridos e à venda pelas ruas das imediações do Paço, como mercadoria comum.

Premida entre o mar e as montanhas, a cidade rapidamente precisou de espaço para crescer. Instalada a princípio sobre os morros, depois no terreno plano entre eles, a população começou a adentrar o "sertão", na direção dos manguezais. No entanto, a concentração de portugueses e brasileiros era mesmo entre os morros e a Guanabara. A fim de aumentar essa faixa de terra, sucessivos aterros alterararam significativamente a paisagem "natural" da orla. As áreas tomadas ao mar permitiram a construção do Paço, do chafariz de mestre Valentim, do molhe de atracamento de barcos e navios, da Alfândega, do Cais Pharoux, da estação das barcas, e até mesmo a construção da Avenida Perimetral, que encobriu durante algumas décadas a linha do litoral e o panorama da baía.

Entre a Ponta do Calabouço e o Outeiro da Glória, a beira-mar sucumbiu aos aterros, intensificados no início do século XX, que fizeram desaparecer as praias de Santa Luzia, da Lapa e outras. No seu lugar, avenidas, prédios, ruas e palácios eram os símbolos do progresso e da "civilização" que enfim venciam a paisagem natural. Do outro lado, do Arsenal de Marinha à Gamboa, a transformação na geografia e nos contornos da cidade não foi menor. Com o objetivo de que o porto se transferisse para a região da Gamboa, praias e enseadas foram aterradas, fazendo desaparecer não somente as curvas sinuosas que iam da Praia do Valongo até o "saco" da Gamboa, mas também pequenas ilhas próximas e, principalmente, a história e a memória da região.

As belezas naturais da cidade, cantadas em verso e prosa, e que são motivo de orgulho de seus habitantes, não são mais tão naturais assim, bastando olhar o contorno do litoral, as esplanadas no lugar dos morros arrasados, os aterros de rios, charcos e alagadiços. Surgiram à força de grandes obras e intervenções na topografia urbana, que merecem reflexão.

 

 

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