Ir direto para menu de acessibilidade.
Início do conteúdo da página

O Rio das montanhas

A presença ou a remoção dos morros que formavam o quadrilátero inicial da cidade - Castelo, Conceição, Santo Antônio e São Bento - foram objeto de diversas discussões ao longo da história do Rio de Janeiro. Fosse para descrevê-los como "manchas indesejadas" no centro da urbe, visão que prevalecia mesmo antes das reformas "civilizadoras" das primeiras décadas do século XX, fosse para reconhecer sua importância histórica e sua consequente permanência na geografia da cidade, as montanhas tão características da paisagem do Rio de Janeiro foram motivo de grande controvérsia.

A história do Castelo caminhava de mãos dadas com a da "mui heroica cidade". Em meados do século XVI, o governador-geral Mem de Sá optou por transferir o núcleo central da tímida cidade, entre os morros Cara de Cão e o Pão de Açúcar, para o alto do Morro do Descanso. Este era um local privilegiado para a defesa contra possíveis invasores, pois permitia uma boa visão da Baía da Guanabara. No alto do morro foi erguida uma fortaleza, apelidada depois de Castelo, e outros edifícios do poder colonial, como a Cadeia, a Câmara, a Sé de São Sebastião, a Igreja e o Colégio dos Jesuítas. Até meados do século XVII, a cidade pouco havia descido o morro, dado que a maior parte das áreas baixas era formada por lagoas, brejos e manguezais. À medida que o núcleo urbano crescia e os morros já não eram mais suficientes para abrigar toda a cidade, os charcos e pântanos foram sendo aterrados, os rios desviados, e a população começava a descer, conquistando e ocupando a parte baixa e plana. Lentamente, o Morro do Castelo perdia sua função de abrigar a administração e a elite da cidade, e foi sendo ocupado pelos mais pobres.

No Morro de São Bento, o mosteiro permanecia como uma ilha - a essa altura as "franjas" já começavam a ser desbastadas para a criação de atracadouros e cais. O Morro da Conceição, com sua fortaleza no alto, mantinha as funções de defesa, enquanto o de Santo Antônio, não muito habitado ainda, seguia firme com seu convento e a bela Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência a seus pés.

A esta altura, começavam os questionamentos acerca da área do Castelo e cresciam as propostas para derrubá-lo. A melhoria da salubridade da capital foi uma das razões mais alegadas pelos governantes: a presença do morro supostamente impedia a circulação do ar, favorecendo a proliferação dos "miasmas" causadores das febres e outras doenças tropicais que assolavam a população, especialmente a mais pobre. No início do século XX, o morro perdeu parte de sua encosta para a abertura do trecho final da novíssima Avenida Central e a construção da Biblioteca Nacional, do Tribunal de Justiça, entre outros prédios. Em 1921 veio abaixo, em uma das obras mais caras e ousadas no Brasil, somente concluída em meados do século passado, dando lugar à Esplanada do Castelo.

Na jovem República evocava-se a necessidade de apagar as lembranças do passado colonial e imperial evocadas pelos morros, suas construções, seus habitantes. Os "arrasamentos", como se dizia na época, além de aumentarem a oferta de terrenos em locais privilegiados do Centro, permitiam o emprego da terra removida no aterramento das praias nos arredores. Assim aconteceu com o Morro do Senado, do Castelo e, já nos anos 1950, o de Santo Antônio. Resolviam-se, assim, muitas questões. Aumentava-se a região central, com o vazio deixado pelos morros que desapareciam e com os aterros sucessivos na Baía da Guanabara, que cresciam no ritmo acelerado do progresso, alterando em definitivo a paisagem e o contorno do litoral. Abria-se a cidade aos ventos saudáveis do mar e ainda removiam-se os moradores "indesejáveis" dos morros, os menos favorecidos que não combinavam com a fachada da moderna capital que se desejava que o Rio de Janeiro fosse.

 

 

Fim do conteúdo da página