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Pracinhas no teatro de guerra

Pracinhas no teatro de guerra

O fascismo é uma praga difícil de exterminar. É o preço que os povos pagam pela própria desídia. É a defesa frenética dos privilegiados. E contra ele só há um remédio verdadeiro: conquistar e manter a todo custo a liberdade do homem, e só há liberdade entre os homens quando cada um vale pelo seu trabalho – e não pelo seu nascimento nem pelos seus privilégios. Ninguém se iluda: acabar com as injustiças nacionais e sociais, que são o caldo de cultura do fascismo e das guerras, será uma luta muito dura, uma grande luta do povo.

Rubem Braga. Crônicas da guerra na Itália. Rio de Janeiro: Record, 2014, p. 166

Em 16 de julho de 1944, desembarcava na Itália o primeiro contingente de expedicionários brasileiros, o 1º escalão da Divisão de Infantaria Expedicionária (DIE). A primeira impressão de Nápoles não foi boa: o impacto da guerra era visível na cidade arrasada, na população necessitada sobretudo de comida, nos muitos navios afundados no porto. Os pracinhas causaram desconfiança na população local, com seus uniformes verde oliva semelhantes aos dos alemães – foram inclusive hostilizados, até que se percebeu a presença de negros e pardos nas tropas, o que deixava bem claro que não se tratava dos temidos “tedescos”.

Seguiram para os acampamentos onde receberam um treinamento mais específico para a guerra, aprendendo sobre as armas norte-americanas que iriam utilizar, sobre as que o inimigo usava, sobre a tecnologia da guerra e estratégias de batalha. Essa preparação deixou evidente que as primeiras instruções recebidas ainda no Brasil haviam sido insuficientes para treinar as tropas adequadamente. A Força Aérea Brasileira (FAB), o célebre grupo do “Senta a pua!”, já estava assentada na cidade de Pisa, e essa fora mais bem preparada, com um período de estágio nos Estados Unidos, para aprenderem a voar nos aviões Thunderbolts, além do tempo que passaram patrulhando a costa brasileira em busca dos temíveis submarinos alemães que afundaram tantas embarcações brasileiras.

A campanha na Itália era considerada secundária no panorama geral da guerra, que estava mais encarniçada na França e no Leste Europeu, mas era importante manter os alemães ocupados, derrotar Mussolini e reconquistar o território do norte da Itália, na fronteira com a Áustria. A guerra acontecia nas montanhas conhecidas como Apeninos, que formavam a Linha Gótica e dificultavam muito a tarefa dos Aliados de penetrar o bloqueio alemão e retomar as cidades do norte italiano. Os brasileiros foram encaminhados para essa frente de batalha e seriam responsáveis pela conquista daqueles morros que permitiriam a tomada da cidade de Bolonha, considerada estratégica para os norte-americanos.

Talvez a mais significativa de todas as batalhas nas quais os brasileiros estiveram envolvidos tenha sido a da conquista de Monte Castello, sobretudo em virtude das quatro derrotas sofridas pelos pracinhas (e a perda de significativo número de vidas) antes da conquista final em fevereiro de 1945. As derrotas foram causadas por erros táticos, falta de apoio aéreo e de artilharia, e pelas condições já bastante duras causadas pelo clima frio nas montanhas. O inverno italiano entre 1944 e 1945 havia sido particularmente rigoroso, com temperaturas de até menos 20 graus celsius, o que dificultava percorrer os terrenos montanhosos nevados, gelados e enlameados. Somente com o apoio da FAB, de artilharia pesada, da 10ª Divisão de Montanha norte-americana, em um esforço conjunto, foi possível conquistar o fatídico Monte Castello, e os montes Belvedere, Castelnuovo e Della Torraccia. Essa vitória provou que não faltava coragem ou combatividade aos nossos pracinhas, muito pelo contrário, pois mostraram bravura nas batalhas, além de bom humor e alegria fora delas, o que os sambinhas compostos pelos brasileiros nos horários de folga não negam.

À batalha de Monte Castello se seguiu a conquista de Montese, em circunstância diversa – batalha em meio urbano –, mas tão dura quanto as de montanha, resultando também em muitas baixas de pracinhas. A tomada de Montese foi um passo importante para a chegada e conquista de Bolonha, o objetivo principal dos aliados naquela frente de batalha. Em Fornovo de Taro, dias antes da rendição total dos alemães em 2 de maio de 1945, os brasileiros receberam a rendição de uma divisão inteira de infantaria alemã e parte de divisões italianas, num total de pelo menos 15 mil prisioneiros de uma só vez!

Os brasileiros ficaram ainda alguns meses na Itália, até que todos os preparativos para a volta estivessem prontos, uma vez declarado o fim da guerra. Cidades como Massarosa, Bozzano, Chiesa, Camaione, Monte Prano, Castelnuovo de Garfagnana, Borgo, Fornoli, Vignola, Barga, entre muitas outras, deveram aos brasileiros sua liberação do jugo alemão e do nazifascismo. Os pracinhas voltavam para casa vitoriosos e felizes com a alegria demonstrada pelos moradores das pequenas cidades italianas quando viam chegar i brasiliani, os liberatori, que punham fim aos tormentos de anos de guerra que assolaram suas vidas.

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