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Representações femininas e vida familiar

Os discursos sociais e políticos de diferentes esferas de saber e poder da primeira metade do século XX no Brasil, baseados em uma moral burguesa que priorizava os valores familiares, defendiam um tipo específico de mulher como ideal: a dona de casa. Mesmo com a presença de mulheres na esfera pública desde o início do século, com mulheres no mercado de trabalho (desempenhando funções como professoras, secretárias e enfermeiras) e na vida política, participando de passeatas, greves e na luta pelo sufrágio, esse discurso era predominante e teve profundo impacto na vida social brasileira do período. A distinção de gêneros na sociedade da época era clara: ao homem cabia a luta cotidiana com o mundo moderno para subsistência da família. A mulher, por sua vez, tinha um trabalho dito mais nobre e edificante: a maternidade. 

A epítome desse discurso é imagem de rainha do lar, estabelecida no tripé mãe zelosa, esposa amorosa e dedicada, e dona de casa diligente e exemplar. Esta mulher ideal deveria estar sempre arrumada e bem-vestida, com a casa limpa e em ordem, e com filhos saudáveis. Dentre as tarefas da rotina doméstica, a alimentação desempenhava um papel fundamental para o reconhecimento e valorização de uma dona de casa. Uma boa esposa precisava, sobretudo, saber cozinhar e servir. 

Para essas mulheres, o ato de cozinhar era transmitido de geração para geração, de mãe para filha. Sua culinária deveria demonstrar criatividade, carinho e vigilância à família: uma boa refeição, para além da nutrição, deveria igualmente impressionar. Aquelas mulheres que não atingissem este padrão corriam o risco de ter um lar infeliz. 

Demonstrando que o discurso sobre o lugar social das mulheres, apesar de seu caráter normativo, não foi seguido por toda a população, temos os livros de receita e as colunas culinárias em jornais e revistas, que eram escritos, predominantemente, por mulheres. Voltados, especificamente, para as donas de casa, muitas delas ainda sem experiência culinária, esse material trazia receitas diversas, desde como fazer bolos, sopas, assados, até sugestões completas de cardápio para a família.

 Com o passar dos anos, a luta das mulheres, somada a outros fatores, trouxe mudanças no espaço público e no discurso sobre o papel feminino na sociedade. Merece destaque o início da venda da pílula anticoncepcional no Brasil, que trouxe maior liberdade sexual para as mulheres. Não obstante, a noção da cozinha como espaço eminentemente feminino permaneceu. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Alimentação (Abia), em 1971 as mulheres eram cerca de 23% do efetivo total do mercado de trabalho e, ainda assim, gastavam cerca de duas horas no preparo de uma refeição familiar.

 Todo esse imaginário sobre o papel da mulher está presente nos mais variados rótulos, inclusive nos produtos de diferentes ramos da indústria alimentar brasileira: a feijoada completa Deliciosa, da marca Urú; a manteiga Madame, da Fábrica de Laticínios Jayme Tannús; o filé de anchovas da marca Fidalga; o leite condensado da marca Moça; o queijo prato Boa, da Fábrica de Laticínios de Domingos Messora e Filhos Ltda., dentre outros.

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