Trajetória política de João Goulart
Não pretendo recuar, pois, senhor presidente, do caminho que até agora venho seguindo. Continuo ao lado dos trabalhadores. Apenas mudo de trincheira. (...) custe o que custar, estarei sempre fiel aos princípios da política social de Vossa Excelência, visando proporcionar ao trabalhador uma vida mais digna e mais humana.
Palavras de João Belchior Marques Goulart, ministro do Trabalho, ao presidente Getúlio Vargas em sua carta de renúncia. Um dos muitos momentos de tensão que enfrentaria em sua trajetória política. Nascido em São Borja, no Rio Grande do Sul, Jango, como era chamado, bacharelou-se em direito, embora jamais tenha exercido a advocacia. Preferiu dedicar-se às atividades agropecuárias da família, notável proprietária de terras. Pelas mãos do conterrâneo Getúlio Vargas tem início sua carreira política. Em 1946, obtém a primeira vitória nas urnas, como deputado estadual pelo recém-criado Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) - que se pretendia um partido de massa assentado em bases sindicais construídas ao longo do Estado Novo, sob a liderança do ex-presidente. Jango, braço-direito de Getúlio, torna-se um dos principais articuladores de sua campanha de retorno ao governo. Vargas vence as eleições em 1950 e Goulart conquista o mandato de deputado federal pelo Rio Grande do Sul. Bastante atuante no partido, desde seu ingresso, João Goulart assume a presidência do diretório nacional do PTB em 1952. Em razão de sua destacada capacidade de negociação com o meio sindical, o presidente Getúlio recorre ao seu afilhado político diversas vezes na resolução de conflitos. Em 1953, diante de um quadro de inflação crescente, eclode em São Paulo a chamada Greve dos Trezentos Mil, seguida por uma forte greve dos marítimos em diversas cidades do país. Em franca discordância com a política de enfrentamento adotada pelo seu ministro do Trabalho, e ameaçado de perder o controle da estrutura sindical, Vargas o substitui por João Goulart. Jango notabilizou-se pela quebra de protocolo, recebendo em seu gabinete sindicalistas, trabalhadores e populares. Exerceu como nunca sua habilidade de negociador, aproximando o governo dos sindicatos, e apostando em uma política de concessões. Sofreu permanente crítica da oposição conservadora, capitaneada pela União Democrática Nacional (UDN), sendo acusado de insuflar greves, articular a luta de classes e de planejar a construção de uma "República sindicalista" no país. Por outro lado, a pressão dos movimentos sociais sobre o governo também crescia, na proporção do aumento do custo de vida. Buscando garantir o apoio popular, o ministro encampa a proposta de aumento de cem por cento no salário mínimo. A reação é brutal entre setores civis e militares, culminando com a exoneração de Jango. Goulart, entretanto, permanece próximo ao presidente, atuando como iminência parda do Ministério. Em 23 de agosto de 1954, recebe das mãos de Vargas um envelope lacrado. Era uma cópia da carta-testamento. Diante da crise política desencadeada pelas trágicas circunstâncias da morte de Getúlio, PSD e PTB selam uma aliança para as eleições de 1955, tendo Juscelino Kubitschek como presidente e João Goulart como vice. A coalizão, embora vitoriosa, enfrenta ferrenha oposição de parcela das elites empresariais e políticas, mais uma vez, sob a liderança da UDN. Voltaria à vice-presidência, ironicamente, no governo de Jânio Quadros, candidato udenista às eleições de 1960. Principal herdeiro político de Vargas, identificado com a continuidade do projeto trabalhista, reformista e nacionalista, a figura de Goulart permanecia sendo vista com temeridade pelos grupos mais conservadores da sociedade brasileira.